“Já não há canções de amor como havia antigamente”1

O refrão, saído das mãos do conhecido letrista Carlos Tê, dá a tónica à música e interpretação do (ainda) mais conhecido Rui Veloso.  Como já lemos algures nesta revista, o amor está em crise — e como está em crise as palavras para expressá-lo também o estão. Não falo do amor egoísta mas do amor comprometido, do amor que tudo sofre, espera, suporta (1 Coríntios 13). 

A paixão momentânea amadurecia para um amor para a vida, mesmo com imperfeições, mas é hoje substituída por uma coleção de amores e desamores. O desapego e o egoísmo andam de mãos dadas nas relações, que depois se tornam “ralações” e terminam quase sempre com dor, além das marcas perversas que ficam nos próprios, nos filhos e no circulo de familiares e amigos. Como reza o mesmo poema “Já não há canções de amor por não haver quem acredite.”1 O psiquiatra e escritor espanhol Enrique Rojas, numa entrevista ao jornal Público, afirmou: "O grande erro do século XX foi acharmos que o amor era só um sentimento, que vai e vem. Na realidade, é um ato de vontade 
e inteligência". Há uma série de mitos tão incrustados na nossa sociedade que por vezes é difícil discernir o que é realmente o amor romântico e o casamento. 



O pastor Tiago Cavaco, no seu livro Felizes para sempre e outros equívocos acerca do casamento, da Cego Surdo e Mudo Editores, vai mais longe, quando refere na introdução: “(...) não são estatísticas que mantêm uma família unida. Também não será a lucidez da nossa interpretação sociológica que convencerá alguém porque ninguém se casa com base em argumentos académicos. Nem tão-pouco o exemplo pessoal de mais de dez anos de conjugalidade porque a nossa experiência não chega para manter a dos outros. A única coisa que de facto sustenta um casamento é a fé. Mesmo que os que se casaram sem a partilha de uma certeza religiosa fazem da fidelidade ao compromisso nupcial uma manifestação muito próxima daquilo que a fé também é: uma atitude a partir de uma convicção.”

Felizmente e graças a Deus, ainda há casamentos para a vida, mesmo que quando se dá o enlace não se tenha a mínima noção do que essa vida nos vai trazer — daí a fé ser essencial. Um casamento para a vida pressupõe que haja vida nesse casamento. E quando há vida há transformação , embates e celebração, há tempos e estações — é preciso ficarmos unidos um ao outro e a Deus, para discernir e atravessar cada temporada. Não há casamentos perfeitos porque somos imperfeitos — mas precisamos aperfeiçoar-nos pessoalmente e mutuamente, contando com a ajuda de Deus em todo o processo. Um casamento para a vida precisa inequivocamente de Deus — o Autor da vida e do casamento — e de viver esse casamento nos Seus princípios, onde o egoísmo é substituído pela entrega mútua, o desapego por amor desinteressado e o “contrato” por uma aliança que só a morte deve apagar. Não há espaço para chantagem, violência, infidelidade, desconfiança ou jogos de interesse, porque somos um do outro e de Deus. E o exemplo máximo, vem de cima.

“Sejam submissos uns para com os outros, pelo respeito que têm por Cristo. As mulheres obedeçam aos seus maridos como ao Senhor. Pois assim como Cristo é cabeça para a igreja, também o marido o é para a mulher. Cristo é o salvador do corpo, que é a igreja. Ora, assim como a igreja obedece a Cristo, também as mulheres devem obedecer em tudo aos seus maridos. Os maridos devem amar as suas mulheres como também Cristo amou a igreja e deu a sua vida por ela. Fez isto para a santificar e purificar lavando-a com a água da sua palavra. Quis assim preparar a igreja para ser a sua esposa cheia de beleza, sem mancha nem defeito ou coisa semelhante, mas santa e sem pecado. É desse modo que o marido deve amar a sua mulher, como se ela fosse o seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ora, ninguém despreza o seu próprio corpo. Muito pelo contrário, alimenta-o e rodeia-o de todos os cuidados, assim como Cristo faz com a igreja. E todos nós fazemos parte do seu corpo. Como diz a Sagrada Escritura: O homem deixará o seu pai e a sua mãe para viver com a sua mulher e os dois se tornarão um só corpo. Há aqui um grande mistério. É que isto realiza-se plenamente no amor que Cristo tem pela igreja. Mas deve realizar-se também em vós. Por isso o marido ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido.” (Efésios 5: 21-33, BPT)

Ana Ramalho Rosa


1 “Já não há canções de amor”, letra: Carlos Tê; música: Rui Veloso



in revista Novas de Alegria, agosto 2017. Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

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