"Antigamente é que era..."

“Antigamente é que era...” e soltou um suspiro nostálgico antes de debitar o seu amargo de boca pelo aqui e agora. Agarrado ao seu passado, escapava pelo olhar cabisbaixo uma nostalgia doentia. A paixão que outrora lhe dava o vigor e a coragem, fora transformada numa queimada que o deixou em ruínas como o templo de Salomão, em escombros, como ficara Jerusalém depois do povo ser levado em cativeiro. 

Mas, o que se passou? Não foi num estalar de dedos, mas um processo doloroso. Era criança quando partiu de Jerusalém e agora, já velho, regressava à sua terra, mas já nada era como dantes. Onde estava a glória da grande cidade e do seu templo? O povo de Jerusalém pensava que a presença de Deus era garantida e que a Sua glória nunca iria deixar o Templo. Pensava que naquela cidade estaria protegido, independentemente do que fizesse e de como vivesse, mas isso não aconteceu. Não porque Deus os tivesse abandonado por “dá cá aquela palha”, mas porque eles deixaram de viver para Lhe agradar, não quiseram arrepiar caminho apesar de muitos avisos dos profetas, que eles rejeitaram consequentemente. Queriam ter os benefícios mas não o Deus dos benefícios. E Deus, aos poucos, deixou-os à mercê das suas decisões (uma leitura atenta do livro de Ezequiel, capítulos 8 a 11, ajudará a compreender este processo).



Sete décadas depois, as memórias que restavam e as histórias dos seus pais acerca dos tempos de glória da sua nação pareciam um conto de fadas. Aquele homem deixou-se levar pela nostalgia das memórias do passado manchada pela amargura do tempo em cativeiro. Tal como ele, outros pensavam da mesma forma. Ageu 2:1-9 descreve a intervenção de Deus para colocar as coisas no seu devido lugar.

“No sétimo mês, ao vigésimo primeiro do mês, veio a palavra do Senhor, pelo ministério do profeta Ageu, dizendo: Fala agora a Zorobabel, filho de Sealtiel, príncipe de Judá, e a Josué, filho de Josadac, sumo sacerdote, e ao resto do povo, dizendo: Quem há entre vós que, tendo ficado, viu esta casa na sua primeira glória? e como a vedes agora? não é esta como nada em vossos olhos, comparada com aquela? Ora, pois, esforça-te, Zorobabel, diz o Senhor, e esforça-te, Josué, filho de Josadac, sumo sacerdote, e esforçai-vos, todo o povo da terra, diz o Senhor, e trabalhai; porque eu sou convosco, diz o Senhor dos Exércitos. Segundo a palavra que concertei convosco, quando saístes do Egito e o meu Espírito habitava no meio de vós: não temais. Porque, assim diz o Senhor dos Exércitos: Ainda uma vez, daqui a pouco, e farei tremer os céus, e a terra, e o mar, e a terra seca; e farei tremer todas as nações, e virá o Desejado de todas as nações, e encherei esta casa de glória, diz o Senhor dos Exércitos. Minha é a prata, e meu é o ouro, disse o Senhor dos Exércitos. A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o Senhor dos Exércitos, e neste lugar darei a paz, diz o Senhor dos Exércitos.’”

Não atiremos pedras ao povo de Israel. Antes, olhemo-nos humildemente ao espelho. Quantas vezes não temos a mesma atitude? Quando sacralizamos lugares, métodos, épocas, pessoas, eventos, etc.? É-nos tão fácil ficarmos agarrados a coisas em vez de olharmos para o Deus que nos deu essas oportunidades, essas pessoas, esses lugares. É-nos tão fácil endeusarmos as bênçãos de Deus, ficando cativos e presos, não permitindo que Deus faça algo novo em nós e através de nós.

A glória desta última casa será maior do que a da primeira” (v.9) Como é possível comparar a sumptuosidade do Templo de Salomão com a simplicidade do novo Templo? Não importa o aspeto a riqueza do espaço, mas a presença de Deus. Isso é, de facto, o mais importante. A Sua glória, a Sua presença na nossa vida. Tudo passa, mas Deus permanece, e é a Ele que devemos entregar tudo o que somos e temos, todos os dias. Sempre que damos espaço a Deus para agir e ser Deus, Ele surpreende-nos. É esse que deve ser o nosso foco.

Ana Ramalho Rosa

in revista Novas de Alegria, outubro 2016. Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

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