Ritmos de vida


Há alguns meses fui convidada para ser uma das oradoras de uma conferência que tinha como tema “Vida Fabulosa”... e a minha família não estava propriamente a passar pela fase mais fabulosa.
Estávamos a enfrentar várias lutas e desafios, além da “ressaca” de quatro anos de mudanças intensas (conhecemo-nos, namorámos, casámos e nasceu o nosso filho). Como estávamos habituados a andar a alta velocidade (em especial eu!), nem sentimos como tantas mudanças nos estavam a afetar individualmente e como família. Em especial, termos um filho. É bom mas muda a nossa vida toda!


Foi preciso parar com algumas coisas, alterar hábitos e rever prioridades. Tentar simplificar as nossas rotinas diárias para podermos lidar com as situações inesperadas.
Pregar a Palavra naquela conferência foi um desafio, mas ao mesmo tempo uma oportunidade para meditar na velocidade que a sociedade parece impor-nos, sem nos darmos conta disso, e em como isso nos afeta.

DEPRESSA!
Nicholas Carr, finalista dos prémios Pulitzer 2012 na categoria de não-ficção, afirmou que “uma das coisas mais interessantes que a Internet está a mudar é a nossa perceção do tempo – está a fazer-nos esperar por respostas e informação muito rápidas e a treinar-nos para que, cada vez que clicamos num link, termos informação no segundo seguinte. Quando enviamos um SMS, um email, esperamos uma resposta muito rápida.” (In Público)
O modo como lidamos com a tecnologia é transversal a todas as áreas da vida moderna. Estamos mais focados no imediato do que no longo prazo. É tudo tão rápido que somos levados a querer que temos que viver tudo, de forma rápida, como que se a vida fosse um sprint quando ela é, de facto, uma maratona.
A velocidade pode ser como uma droga. Se não nos esforçarmos por ir contra a maré, seremos levados por ela. Às vezes só paramos quando falta combustível, e muitas vezes deixamos que a reserva termine - temos que ir a reboque. É preciso ir mais devagar, para poder ver os perigos do caminho e apreciar melhor a companhia e a paisagem.

RITMOS
A Palavra de Deus diz-nos, em Eclesiastes, que “existe um tempo próprio para tudo, e há uma época para cada coisa debaixo do céu” (3:1, OL) Sim, há um tempo para tudo e um modo próprio para cada atuação” (8:6a, OL).
No livro A Maldição do Cristo genérico, Eugene Peterson afirma: “somos criados para viver de forma rítmica dentro dos ritmos da criação”. O plano de Deus para a vida do Homem, tal como a música, tem um certo ritmo, um certo tom, uma certa sequência. Para tudo Deus criou um tempo próprio na nossa vida.
Infelizmente, andamos desde o início numa tonalidade rebelde, queremos que Ele aprove o nosso ritmo e a letra hedonista que O remove do papel principal. Precisamos escrever a melodia única da nossa vida, de acordo com o ritmo de Deus.

RECONHECE AS FASES
Tal como na música temos pausas, notas mais agudas e mais graves, precisamos reconhecer a estação que estamos a viver. Estar em casa dos pais é uma coisa, estar fora na Faculdade é outra. Estar sozinho ou namorar são coisas diferentes, casar é outra coisa e ter filhos ainda é outra completamente diferente. Ser desempregado de longa duração é uma coisa, mudar de trabalho é outra. Além disso, todos nós somos diferentes e temos histórias de vida distintas.
Há um tempo e um modo para todo o propósito. Quem não reconhece os tempos e estações da vida, acaba por prejudicar-se e aos outros à sua volta. É preciso ter discernimento e sabedoria para deixar o passado e viver o presente, e uma consciência clara que todas as mudanças trazem consigo coisas novas, mas também levam consigo algumas coisas antigas, que nunca voltaremos a experimentar.

NÃO DESESPERES!
Talvez estejas num tempo de espera ou a pensar o que vais fazer em relação ao teu futuro. Talvez estejas numa situação limite – uma prova que está a ser difícil passar. Os tempos de expectativa, de decisão, de confronto e paciência preparam-nos para suportarmos a coroa dos momentos de glória com humildade e de maior desafio com coragem de que Deus é o mesmo para nos ajudar.
Tempos de desafio não sucedem só connosco, também acontecem com os outros. Nunca podemos esquecer este facto quando criamos expectativas em relação a entidades, pessoas... e mesmo em relação a nós próprios. Importa, sim, viver em sintonia com Deus, conscientes de que Ele é o melhor Guia nesse caminho. Viver ao Seu ritmo, com os olhos postos na Eternidade.
É importante termos pessoas que sejam “companheiros de corrida”, e que nos possam ouvir, aconselhar e ajudar. É por isso que nos verões da vida precisamos construir amizades sólidas e fundar-nos em Deus e na Sua Palavra... para não nos afundarmos quando chegam as lutas e as provas. “Tal como o ferro é trabalhado com o próprio ferro, assim uma pessoa se cultiva em contacto com os amigos.” (Provérbios 27:17, OL).
Também devemos saber gerir aquilo que escutamos. Por vezes, dão-nos conselhos, opiniões ou fazem comentários mesmo sem os pedirmos... e nem sempre essas palavras ajudam. As pessoas podem não fazer por mal (tal como nós não o fazemos quando estamos “do outro lado”), no entanto há que filtrar o que se ouve e evitar aquilo que nos pode destruir em vez de ajudar. “A língua dos sábios embeleza a sabedoria; da boca dos insensatos jorram tolices. (...) A palavra reconfortante é árvore de vida; a palavra perversa fere profundamente..” (Provérbios 15:2,4, BPT)

CRESCER
É importante lembrar que, independentemente daquilo que os outros possam dizer, somos responsáveis pelas nossas decisões e pela forma como lidamos com cada fase da vida. Assumir essa responsabilidade é um sinal de maturidade, que se gera nas ações e reações que temos ao longo do nosso caminho, pela resiliência perante as dificuldades, pela humildade no meio das vitórias, por uma clara noção da nossa identidade - de Cristo, em Cristo e por Cristo.
Tal como o oleiro, o artesão, precisa limpar as impurezas do barro, amaçá-lo e moldá-lo até ficar uma peça útil e bela, Deus precisa ter liberdade na nossa vida para limpar, transformar e fazer-nos crescer, no meio de todas as fases e circunstâncias. Hoje queremos “peças bonitas e vistosas” mas não queremos o processo.
Independentemente da fase ou estação que estejamos a viver, precisamos deixar-nos moldar pelas mãos do Oleiro amoroso, justo e santo - Deus.
 “Olhemos para Jesus. Ele é a fonte da nossa fé e aquele que a aperfeiçoa, o qual, pela alegria que lhe estava reservada, suportou a cruz, aceitando a humilhação, vindo a sentar­-se no lugar de maior honra à direita do trono de Deus. Pensem bem em tudo aquilo que ele suportou da parte dos pecadores, para que não venham a enfraquecer, desencorajando­-se.” (Hebreus 12:2-3, OL)


Ana Ramalho Rosa

in revista Novas de Alegria, novembro 2015. Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

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