House, o paciente de Deus

Sou um fã confesso de séries de televisão e por vezes de séries opostas em termos de género. Não consigo deixar de me rir com personagens como Niles Crane (Frasier) ou Sheldon Cooper (The Big Bang Theory) onde o pretensiosismo, a cultura e o centralismo dão as mãos. 

Talvez por isso, não deixe de simpatizar com o célebre dr. Gregory House (House MD). Não porque me faça rir ou porque tenha tiradas satíricas memoráveis. Na verdade, o que me intriga em relação a este médico que vive nos limites da sensibilidade e do egoísmo, acaba por ser o modo lógico como tende a analisar tudo (tal como Niles Crane) e o sentimento de que ele é o Sol no movimento heliocêntrico da vida de todas as outras pessoas (à imagem e semelhança de Sheldon Cooper).

A lógica e a ciência são as verdadeiras bengalas em que a personagem interpretada por Hugh Laurie se sustenta. O próprio define-se como ateu, na melhor de todas as hipóteses um agnóstico severo (sem sentido de denegrir o quem quer que seja) para quem a hipótese Deus é meramente alucinogénia ou patológica. A sua definição de fé é baseada na ausência lógica e na falta de qualquer experiência[1]. E essa ausência de um elemento teoricamente improvável, leva-o a viver uma vida em que opta por tentar encaixar teorias, leis, probabilidades, métodos e dados de modo satisfatório. Segundo o que aprendemos com este médico, a humanidade é simultaneamente uma doença e uma cura. É o homem pelo Homem, no final de contas, após o último impulso eléctrico ter cessado no corpo humano, tudo o que nos espera é o vazio e o conceito filosófico do nada.

A própria negação da fé de House leva-o a experimentar uma visualização do pós-vida. Numa tentativa de perceber o que existe para além do último fôlego, House electrocuta-se servindo de cientista, cobaia e experiência em simultâneo[2]. O resultado acaba por lhe desagradar e “força-o” a concluir que não existe pós-morte, muito menos o conceito de um deus, seja ele qual for.

É aqui que percebo que esta é uma dúvida que ocorre demasiado, talvez pelo medo do desconhecido, talvez pela falta de uma certeza, talvez porque simplesmente não queiramos aceitar algo que nos recusamos a admitir. House pode ser um médico com resultados clínicos brilhantes (socialmente e humanamente duvidosos no entanto), mas não deixa de ser um paciente para Deus. A sua busca lógica, estruturada e orientada pede não uma prova, mas uma série de evidências inabaláveis que o conduzam a um resultado final.

O mesmo aconteceu aos ouvintes de Paulo no Areópago[3], queriam um raciocínio lógico e irrefutável, algo que Paulo lhes concedeu. Até ao momento em que abrevia pelo atalho falando da ressurreição dos mortos[4]. E mais uma vez, a medicina de Deus proveu pela Graça que a condição do ser humano fosse mudada nas vidas de Dionísio, Dâmaris e outras pessoas[5].

Tudo o que Deus nos dá e faz é por meio da Sua Graça, sendo um pouco como o médico que trata doentes sem seguro. A diferença na medicina de House e de Deus está no facto de que o primeiro é finito e não pode reverter a morte, é-lhe impossível contrariar as leis da natureza em que ele próprio se baseia. Já Deus tem o prazer de baralhar as cartas e tornar a dar, dando vista aos cegos[6], dando voz a mudos[7], restituindo partes do corpo a amputados[8] e anulando a acção da morte ao trazer à vida um amigo[9].

Em tudo isto, o especialista em doenças infecto-contagiosas e nefrologia não consegue deixar de ser um paciente necessitado de uma cura. O vício que mais o transtorna não é o dos analgésicos para uma perna estilhaçada. É o da incerteza sobre quem é o totalitário dono da vida: se o Homem, se Deus… Em comparação com House, todos os efeitos que nega pela lógica, Deus prova-os pela prática e assina o atestado de existência e capacidade. No fundo, o problema de House com Deus não é que não consiga acreditar n’Ele, é o de não querer aceitar que o divino cria as leis e os processos pelos quais nos regemos logicamente e isso dá-lhe sempre uma vantagem, seja em que situação for. E esse é um reflexo do ser humano, não do moderno ou pós-moderno, mas simplesmente do Homem tal e qual como o conhecemos. A ética darwiniana da evolução e adaptação não consegue dar uma resposta a tamanho dilema. Podemos tentar retardar a morte, mas nunca a conseguiremos aniquilar por nós mesmos.

O pecado é uma doença infecto-contagiosa, que acaba por levar a melhor sobre o nosso corpo[10], mas que não deve assenhorar-se da nossa alma. Por essa razão, o anseio furioso de House não é mais do que o Homem à procura da resposta que naturalmente o deveria levar a Deus[11]

Mas porque o pecado continua a sua obra destrutiva em cada um de nós[12], precisamos de perceber que a cura está ao alcance do ser humano e que Yhwh é o nosso médico pessoal...


Ricardo Rosa


[1] - http://www.patheos.com/blogs/friendlyatheist/2008/09/16/house-md-and-atheism/
[2] - http://en.wikipedia.org/wiki/Gregory_House#cite_note-58
[3] - Actos 17:16-33
[4] - Actos 17:32
[5] - Actos 17:33
[6] - Mateus 9:27-31; Marcos 8:22-26; João 9:1-12
[7] - Mateus 9:32-34
[8] - Lucas 22:50,51
[9] - João 11:1-45
[10] - Salmo 89:48
[11] - Romanos 1:20
[12] - Eclesiastes 7:20; Romanos 3:23, 5:12; 1ª Coríntios 15:21

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