Sicar, confesso-me

Nunca imaginei que fosse possível, mas a verdade é que aconteceu. Tu sabias tudo acerca do meu passado e, mesmo assim, arriscaste o olhar mesquinho da sabedoria religiosamente popular, para me apresentar um futuro.
Andei à procura de saciar-me com amores e desamores... e acabei fielmente dependente daquilo que não queria. Ganhei uma coleção de aventuras amorosas, mas sentia-me a mulher menos amada do mundo.
Apostei tudo o que tinha nas tentativas de procurar contentamento nos braços fortes de um lar feliz, mas o castelo de cartas caiu mal acordei para a realidade da rejeição.
A vergonha foi a minha amiga mais próxima e mais dolorosa. A fama de má qualidade atirou-me em câmara lenta para o chão da verdade. O meu nome estava queimado, não pelo sol que me derretia a testa quando Te encontrei, mas pela fria rapidez com que me rotularam - não fosse verdade o que me fazia suportar 45º C, apenas por uma vasilha de água.
Foi por causa dessa água que nos encontrámos pela primeira vez... Uma conversa simples que me levou a fazer perguntas, algumas há muito escondias na minha busca pela felicidade.
Tu caminhaste ao meu lado, sem dar um passo, mas invadindo o meu coração com toda a delicadeza do Teu amor incrível, poderoso, puro e misericordioso. Eu bebi as Tuas palavras com atenção e espanto. Mostraste que me conhecias antes mesmo daquele diálogo e, mesmo assim, não me trataste com o desprezo que sentia quando passava nas ruas de Sicar.
Não eras um homem qualquer, mas O Escolhido de Deus para me dar uma nova vida, muito além daquela que alguma vez imaginei – a mim e a todos os que a desejam.
A água que deixei no poço não se compara às fontes de água viva que trouxeste para a sequidão desértica da minha história. A vida que abandonei aos Teus pés foi enterrada junto ao poço, com todos os meus pecados do passado. És o Médico dos médicos, que limpa e sara as minhas feridas, o desgaste dos meus erros, as mazelas dos outros no meu coração. A Tua vida deu-me esperança. Caiu a vergonha porque me aceitas, não para que fique cansada com tudo o que sobrecarregava ao meu encargo e responsabilidade, mas para correr mais longe – e ser uma nova criatura que cresce com e para Deus.
E assim, correu a tinta pelos séculos acerca de mim, nas palavras de um dos Teus:
“A mulher deixou o balde junto ao poço e, voltando para a aldeia, disse a toda a gente: Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz! Não será ele o Messias? Então o povo veio a correr da localidade para o ver.
Muitos dos habitantes daquela terra samaritana creram em Jesus, levados por aquilo que a mulher afirmara: Disse-me tudo o que fiz! Os que foram vê-lo junto ao poço pediram-lhe que ficasse na sua aldeia, e Jesus assim fez durante dois dias, o suficiente para que muitos outros cressem depois de o ouvirem.
Então disseram à mulher: Agora acreditamos porque nós próprios o ouvimos e não apenas pelo que nos contaste. É, de facto, o Salvador do mundo.” (João 4:28-31; 39-42, versão “O Livro”)
O meu caso era tão perdido quanto a areia depois de um tornado arrasador, mas Tu salvaste o meu mundo. E salvas quem quiser que o faças...


Ana Ramalho Rosa

in revista Novas de Alegria, fevereiro 2012

Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

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