(In)dependência


O CENÁRIO
Dormir era privilégio fugaz naquele tempo. Vivia a pensar naquele dia quase eterno, sem vislumbrar bem o que me estava a acontecer. O momento era difícil o suficiente para dialogar de dia e de noite com Ele acerca das causas e dos objectivos do meu deserto. Como se de matemática ou estratégia humana se tratasse. A lógica caiu por terra. O racional tornou-se insuficiente.

Tentava ressuscitar cá dentro uma ténue esperança de que o sol do amanhã rasgaria no meio da minha penumbra. A incerteza do minuto seguinte era abrasadora como o fogo que nos consome por dentro e transparece no rosto, nas mãos, no olhar, no vazio da resposta silenciosa do Ser sempre presente.

No âmago da dúvida acerca da decisão, justa ou não, dos homens desperava na minha própria justiça. Dizia nas minhas lamúrias constantes que dependia Dele, mas a minha natureza humana rogava uma resposta urgente que trouxesse de volta a minha independência. Relatava a lista inacabada dos factos duros do presente, sem perceber que o Soberano que controla o Universo desejava ter-me na Sua mão e que eu, voluntariamente, lhe desse toda a minha vida, de A a Z. Ele queria tudo para eu ter tudo.

O CORRECTOR
A Escola da Dependência de Deus tem provas práticas que corroboram os seus diplomas. São certificados selados nos vales das experiências de vida. Ficam expostos na parede do escritório do tempo que se segue, no currículo particular da vivência com Deus, no microfone da humanidade, no canto do templo, na zona pobre da cidade, entre irmãos ou forasteiros... o que aprendemos nessa Escola é a arte de ir pintando o "in" com o corrector das provas e das circunstâncias, para que fique apenas a palavra "dependência". Às vezes a tinta branca vai desaparecendo e o "in" ressuscita... então, ouvimos ou vivemos algo que o encobre de novo. Assim, prendemos a depender de Deus para levar outros à mesma dependência - nas palavras, nos actos, nas intenções.

O EXEMPLO
O exemplo irrefutável está traçado no trajecto da Cruz, após o Filho de Deus ter mergulhado na humanidade. A dependência era constante no dia-a-dia do Seu ocupado ministério. Não era apenas o escape do irremediável, nem simplesmente o S.O.S. do momento depressivo. Na bonança ou na tempestade, Jesus e o Pai comunicavam. O que era normal nas alegrias tornava-se óbvio nas dificuldades. Numa dessas conversas, perante a fase mais complexa da Sua obra na terra, Jesus demonstra a sua exemplar dependência, em obediente consonância com a vontade do Pai.


"E [Jesus] apartou-se deles cerca de um tiro de pedra; e, pondo-se de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua."
Lucas 22:41 e 42

Quando largamos, de facto, a nossa vontade por livre escolha nas mãos de Deus entendemos claramente como o Seu caminho, mesmo não sendo sempre aquele que se enquadra no nosso padrão humano, social ou cultural de certo ou errado, é verdadeiramente perfeito.

DEPENDER DE DEUS É...
  • Confiar que o Seu plano para nós é o melhor - Ele ama-nos, como poderia dar-nos algo mau?!
  • Conhecer o Seu coração e irmos, passo a passo, nos apaixonando pelas mesmas coisas que Ele.
  • Saborear o tempo de espera ao colo do Pai - Ele tem maneiras de nos acalmar e dar paz quanto ao futuro, mesmo quando estamos veradeiramente irrequeitos.
  • Muito mais que um grito de socorro efémero - é entregar-Lhe plenamente cada sucesso e fracasso da nossa vida.
Quando perdi a minha independência recebi a resposta às minhas orações. Levou tempo, mas entendi que tudo é mais fácil quando, simplesmente, dependemos de Deus.

Ana Ramalho


in revista Novas de Alegria, suplemento NAJovem, Março 2007

Comentários